Páginas

Por que cartas?
Há quem não entenda as cartas como forma agradável de comunicação entre pessoas, quase um presente - ainda mais nesses tempos de globalização onde a comunicação tem se tornado em tempo cada vez mais real.
As cartas seduzem porque é parte da expressão humana, são o espelho da alma de quem as escreve, quando as lemos somos remetidos à reflexão das situações, da época, das condições e os ambientes culturais das produções desses artefatos.
Ler cartas escritas em outros tempos significa penetrar na intimidade de seus autores, compreender os discursos que faziam de si mesmos e do mundo como um recorte muito particular das possibilidades de leitura dos homens e das coisas, além de conhecer a sociedade da época e seus costumes. Entretanto, lê-las com o intuito de compreender aquele que as escreveu, como produto e ao mesmo tempo, como agente histórico, não pode colocar de lado a compreensão do tempo e espaço como variações fornecedoras dos vínculos explicativos que compõe a essência do enredo de uma narrativa.
As cartas apresentadas aqui lembram-nos que toda a história foi feita por pessoas que em certas épocas estiveram vivas - ou ainda estão - pessoas que foram ardorosas, apaixonadas e cheias de emoções, emoções tão ternas que deixaram suas marcas, passaram de um meio de expressão pessoal ao campo artístico, algumas das personagens dessas mensagens são famosas, outras não, mas o importante mesmo é o afeto.
Meu Avô contava-me que o meu bisavô - que não cheguei a conhecer - e que foi diretor de cena em um teatro da Europa, dizia que um ator atingia seu apogeu quando inspirava pessoas. Dessa maneira, este Blog contém a mesma ideia, se conseguir inspirar as pessoas durante sua leitura, atingirá o zênite.
Desejo a todos que passarem por aqui, momentos de emoções diversas.
Anna Garcia

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Amor é o cumprimento da Lei


Paulo de Tarso, o "Apóstolo dos Gentios", como ficou conhecido São Paulo, escreveu esta carta na qual encontramos a famosa passagem que fala do amor genuíno. É uma das cartas mais poéticas de todos os tempos. Por que esta carta continua tão atual mesmo tendo sido escrita por volta do ano 55 da era comum?
Não há outra prerrogativa: O Amor é o cumprimento da Lei.


1ª Epístola aos Coríntios

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, 
se não tiver amor, 
serei como o bronze que soa,
ou como o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom de profetizar
e conheça todos os mistérios e toda a ciência;
ainda que eu tenha tamanha fé, 
a ponto de transportar montanhas,
se não tiver amor, nada serei.

E ainda que eu distribua todos os 
meus bens entre os pobres
e ainda que entregue meu próprio
corpo para ser queimado,
se não tiver amor,
nada disso me aproveitará.

O amor é paciente, é benigno,
o amor não arde em ciúmes,
não se ufana, não se ensoberbece,
não se conduz inconvenientemente,
não procura seus interesses,
não se ressente do mal;
não se alegra com a injustiça,
mas regozija-se com a verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, 
tudo suporta.

O amor jamais acaba.
Mas, havendo profecias, desaparecerão;
havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, passará.
Porque em parte conhecemos,
e em parte profetizamos.
Quando, porém, vier o que é perfeito,
o que então é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como um menino,
sentia como um menino.
Quando cheguei a ser homem, 
desisti das coisas próprias de menino.

Porque agora vemos como em espelho,
obscuramente, e então veremos face a face;
agora conheço em parte, e então
conhecerei como sou conhecido.

Agora, pois, permanecem a Fé,
a Esperança, e o Amor.
Estes três.

Porém, o maior deles é o Amor.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Carta a um jovem poeta


Um jovem desconhecido - Franz Xaver Kappus, pede conselhos ao poeta Rilke para suas inquietações. Rilke fala ao jovem como um pai a seu filho, como um professor a seu aluno ou como um Mestre a seu discípulo.

Paris, 17 de fevereiro de 1903
Prezado Senhor,

     Sua carta só me alcançou há poucos dias. Quero lhe agradecer por sua grande e amável confiança. Mas é só isso o que posso fazer. Não posso entrar em considerações sobre a forma dos seus versos; pois me afasto de qualquer intenção crítica. Não há nada que toque menos uma obra de arte do que palavras de crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos afortunados. As coisas em geral não são tão fáceis de apreender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou, e mais indizíveis do que todos os acontecimentos  são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa.
Feita essa observação prévia, posso lhe dizer ainda que seus versos não possuem uma forma própria, mas apenas indicações silenciosas e veladas de personalidade. Sinto esse tipo de indicação de modo mais claro no último poema, "Minha alma". Ali, algo de próprio quer ganhar expressão. E no belo poema "A Leopardi" talvez se desenvolva uma espécie de afinidade com aquele grande solitário. Apesar disso, os poemas ainda não são independentes, não têm autonomia, mesmo o último e o dedicado a Leopardi. Sua carta amável que os acompanha não deixou de me esclarecer alguma insuficiência que senti ao ler seus versos, sem no entanto ser capaz de designá-la pelo nome.
     O senhor me pergunta se os seus versos são bons. Pergunta isso a mim. Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Envia os seus versos para revistas e se inquieta quando um ou outro redator recusa suas tentativas de publicação. Agora (como me deu licença de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. O senhor olha para fora, e é isso  sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal de e um testemunho desse impulso. Então se aproxime da natureza. Procure, como o primeiro homem, dizer o que vê e vivencia e ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite a princípio aquelas formas que são muito usuais e muito comuns: são elas as mais difíceis, pois é necessária uma força grande e amadurecida para manifestar algo de próprio onde há uma profusão de tradições boas, algumas brilhantes. Por isso, resguarde-se dos temas gerais para acolher aqueles que seu próprio cotidiano lhe oferece; descreva suas tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a crença em alguma beleza - descreva tudo isso com sinceridade íntima, serena, paciente, e utilize, para se expressar, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Caso o seu cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele, reclame de si mesmo, diga para si mesmo que não é poeta o bastante para evocar suas riquezas; pois para o criador não há nenhuma pobreza e nenhum ambiente pobre, insignificante. Mesmo que estivesse em uma prisão, cujos muros não permitissem nenhum dos ruídos do mundo chegasse a seus ouvidos, o senhor não teria sempre a sua infância, essa riqueza preciosa, régia, esse tesouro das recordações? Volte para ela a atenção. procure trazer à tona as sensações submersas desse passado tão vasto; sua personalidade ganhará firmeza, sua solidão se ampliará e se tornará uma habitação a meia-luz, da qual passa longe o burburinho dos outros.
     E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos. Também não tentará despertar o interesse de revistas por tais trabalhos, pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que se encontra seu valor, não há nenhum outro critério. Por isso, prezado senhor, eu não saberia dar nenhum outro conselho senão este: voltar-se para si mesmo e sondar as profundezas de onde vem a sua vida; nessa fonte o senhor encontrará a resposta para a questão de saber se precisa criar.Aceite-a como ela for, sem interpretá-la. Talvez ela revele que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso, aceite sua sorte e a suporte, com seu peso e sua grandeza, sem perguntar nunca pela recompensa que poderia vir de fora. Pois o criador tem de ser ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si mesmo e na natureza, da qual se aproximou.
     Mas talvez, depois desse mergulho em si mesmo e em sua solidão, o senhor tenha de renunciar a ser um poeta ( basta, como foi dito, sentir que seria possível viver sem escrever para não ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim não terá sido em vão o exame de consciência que lhe peço. Seja como for, sua vida encontrará a partir dele caminhos próprios , e que eles sejam bons, ricos e vastos é o que lhe desejo mais do que posso manifestar.
     O que ainda devo dizer ao senhor? Parece-me que tudo for enfatizado da maneira apropriada; por fim, gostaria apenas de aconselhá-lo a passar com serenidade e seriedade pelo período de seu desenvolvimento. Não há meio pior de atrapalhar esse desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranquila.
Foi para mim uma alegria encontrar em sua carta o nome do professor Horacek; guardo uma grande estima por esse amável sábio, e uma gratidão que se mantém através dos anos. Por favor, mencione a ele o que sinto; é muita bondade que ainda se recorde de mim, e sei apreciá-la.
     Devolvo também os versos que o senhor me confiou amigavelmente. E lhe agradeço mais uma vez pela grandza e pela cordialidade de sua confiança, de que procurei me tornar um pouco mais digno do que realmente sou, como um estranho, por meio desta resposta sincera, feita da melhor maneira que pude.

Com toda devoção e toda simpatia,
Rainer Maria Rilke

Referência Bibliográfica:
RILKE, Rainer Maria - Cartas a um jovem poeta - Tradução de Pedro Süssekind - Porto Alegre: L&PM, 2010

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Carta Poema

Hélio Pellegrino - um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse - como ficou conhecido o grupo formado pelos amigos Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, escreve aos amigos uma bela declaração de amor, um amor que rendeu uma amizade que se estendeu pela vida afora.




Belo Horizonte, 4 de maio de 1945.

Fernando Sabino, meu amigo, as rosa estão frias
E estremecem nas hastes como uma voz de eternidade.
Não te contarei nada, ou quase nada.
Nada adiantarei, nem de meus lábios sairá o aviso
        ou a presença,
Nem o olhar entenderás - é tarde! Na Rua da Bahia
        é tarde,
Faz tarde na Praça, nos bancos adolescentes, nas rosas
        e nos jardins,
Nas fontes incansáveis é a tarde a marulhar o crepúsculo
        entre flores.
Uma vez houve flores reais, não puras abstrações
        de quem soluça.
Nesse tempo, Fernando, tudo era leve, calmo e exato.
A alma se alimentava de tempestade,
Mas a tempestade é a fome das águias invencíveis.
Nesse tempo, havia a glória e havia a morte.
A voz de meus amigos era quente de poesia,
Sua áspera ternura me inundava.
E de sua revolta saltavam os artigos,
As confissões, os diários, os poemas.
Lembra-te, Otto? A manhã no Parque,
Cintilante como uma aurora que nascesse muda,
Calma e grave, na agitação dos momentos supremos?
Os caminhos da terra eram ampliados pela dor
        que nos possuía,
Conquistávamos o mundo e o perdíamos num sorriso
        sem segredo,
Avançávamos no tempo e o tempo nos acolhia
        atribuindo seus frutos,
Amargos ou doces, e escorrendo uma experiência para sempre.
Nestas horas os compromissos com o futuro se enriqueciam
        no sangue,
As palavras vinham carregadas de uma firmeza
        que não há mais.
Nenhum atropelo, nenhum cansaço, nenhum amor.
Solitários e puros.
Nascíamos para a vida como quem recebe uma herança
        e a despreza.
Tu, Otto, tinhas nas mãos o grande fogo sinaleiro,
Capaz de acender na noite a vasta bandeira das conquistas.
Carregavas nos lábio um sabor de aventura e de tédio,
E de teus braços esguios brotavam marujos acostumados
        à peleja do mar.
Eras belo como uma flor rebelada,
Puro como um jato de aurora,
Limpo e profundo como a água onde os musgos envelhecem.
Nada te detinha, e nos cafés como no quarto eras
        o mesmo punho aceso.
A mesma coragem e o mesmo heroísmo que te fazia
        o querido entre todos,
O amado entre todos, o procurado, o puro.
Tua estirpe era a melhor e a mais lúcida,
Tua estrela a mais rubra, se bem que a mais frágil,
Tua voz a mais velada, se bem que a mais firme,
A mais clara, a mais carregada de esperança,
        a mais ouvida.
Nem um momento te arrastavas. O teu vulto negro
        ainda se projeta
Como um grito de perenidade.
O teu capote encharcado de estrelas,
A voz rouca embebida de caminhos inesperados,
A fé no teu Deus, a confiança na Caridade,
        o irrevelado amor pelos homens.
E tu, Fernando, príncipe encantado surgindo entre lírios,
Pálido cavaleiro que se arrasta entre o blues
        e uma sinfonia desesperada,
O incompreendido, o querido vulto mundano
        que arrebenta nos salões.
Como uma rosa de inverno, sufocada e pura ainda,
        apesar da sevícia.
Teu sonho resplandece sempre, cavaleiro armado de prata,
Teu sorriso é uma fogueira, uma mensagem e um apelo.
De tua infância quieta tens a fronte pensativa
E as mãos enormes, interrogativas e espalmadas.
Os caminhos te legaram músculos longos e ligeiros,
Sabes nadar, medes a direção do vento e conheces
        os caminhos do mar,
No entanto te perdes, amigo,
E a tua bússola não é mais do que um cata-vento alucinado,
A tua segurança se refaz em passo de bêbado
        e se amplia na aurora,
Teu vulto se desenhando nítido e inesquecível
        entre as árvores.
Nada sabes, e é a sabedoria, o consolo e a palavra.
Te lembras, amigo? Na bicicleta de fogo varamos
        a madrugada intraduzível,
Consultamos o frio dos astros e nos precipitamos
        enlouquecidos.
Nossas confidências venciam o vento e caíam por terra
        como um fruto farto.
Então eras o príncipe comandando o seu reinado,
Eras o sábio penetrando os arcanos da vida,
Eras o irmão, carne da mesma carne, raça da mesma raça,
Superando o silêncio e a morte.
E tu, Paulo, dor de minha ternura, ternura desta mágoa,
Tu pequeno, ardendo entre ciprestes
        de uma cidade desconhecida,
Tu que carregas os nossos destinos e por isso repousas,
E por isso te deitas na relva, fixando o sol de fogo
Que oscila sobre tua amorável cabeça.
És triste, Paulo, e por isso te compreendo
Apenas nas horas em que a madrugada fertiliza as encostas.
És profundo e grave, e por isso o teu gesto às vezes dói
Como quem se despede e vai para longe.
És generoso mas tímido, tens medo
E por isso há em ti a contextura dos heróis,
Dos que se arriscam, dos que não temem,
        dos que se precipitam
E dos que se perdem.
Ainda embarcarás.. Ouço já o teu grito
        comandando a largada - e fico triste.
Violarás portos sem nome e te renderás escravo.
Depois, a vitória. Pois a vitória está contigo,
No teu gesto de desmedida loucura,
Na tua roupa de marinheiro,
        na tua vocação de esquecimento,
Na tua voz que despreza para amar
        numa ardência secreta,
No teu jeito de olhar, esquivo movimento
        de quem se furta ao efêmero
Para se entregar após, fecundo e grande,
        ao tempo sem tempo ou território.

Hélio Pellegrino

Referência Bibliográfica:
SABINO, Fernando - Cartas na Mesa - Rio de Janeiro: Record, 2002.



     

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Uma russa que se sente brasileira

Um autorretrato "de corpo inteiro" é o que 
Clarice Lispector encaminha ao 
Presidente Getúlio Vargas, em carta de 3 de junho de 1942, ao solicitar-lhe a antecipação de seu pedido de naturalização. As linhas firmes e claras não suprimem o tom pessoal.

Rio de Janeiro, 3 de junho de 1942

Senhor Presidente Getúlio Vargas:

Quem lhe escreve é uma jornalista, ex-redatora da Agência Nacional (Departamento de Imprensa e Propaganda), atualmente n'A Noite, acadêmica da Faculdade Nacional de Direito e, casualmente, russa também.
Uma russa de 21 anos de idade e que está no Brasil há 21 anos menos alguns meses. Que não conhece uma só palavra de russo mas que pensa, fala, escreve e age em português, fazendo disso sua profissão e nisso pousando todos os projetos do seu futuro, próximo ou longínquo. Que não tem pai nem mãe - o primeiro, assim como as irmãs da signatária, brasileiro naturalizado - e que por isso não se sente de modo algum presa ao país de onde veio, nem sequer por ouvir relatos sobre el. Que deseja casar-se com brasileiro e ter filhos brasileiros. Que, se fosse obrigada a voltar a Rússia, lá se sentiria irremediavelmente estrangeira, sem amigos, sem profissão, sem esperanças.
Senhor presidente. Não pretendo afirmar que tenho prestado grandes serviços à Nação - requisito que poderia alegar para ter direito de pedir a V. Exª. a dispensa de um ano de prazo, necessário a minha naturalização. Sou jovem e, salvo em ato de heroísmo, não poderia ter servido ao Brasil senão fragilmente. Demonstrei minha ligação com esta terra e meu desejo de servi-la, cooperando com o DIP, por meio de reportagens e artigos, distribuídos aos jornais do rio e dos estados, na divulgação e na propaganda do governo de V. Exª.. E, de um modo geral, trabalhando na imprensa diária, o grande elemento de aproximação entre governo e povo. 
Como jornalista, tomei parte em comemorações das grandes datas nacionais, participei da inauguração de inúmeras obras iniciadas por V. Exª., e estive mesmo ao lado de V. Exª mais de uma vez, sendo que a última em 1º de maio de 1941, Dia do Trabalho.
Se trago a V. Exª. o resumo dos meus trabalhos jornalísticos não é para pedir-lhe, como recompensa, o direito de ser brasileira. Prestei esses serviços espontânea e naturalmente, e nem poderia deixar de executá-los. Se neles falo é para atestar que já sou brasileira.
Posso apresentar provas materiais de tudo o que afirmo. Infelizmente, o que não posso provar materialmente - e que, no entanto, é o que mais importa - é que tudo que fiz tinha como núcleo minha real união com o país e que não possuo, nem elegeria, outra pátria senão o Brasil.
Senhor presidente. Tomo a liberdade de solicitar a V. Exª. a dispensa do prazo de um ano, que se deve seguir ao processo que atualmente transita pelo Ministério da Justiça, com todos os requisitos satisfeitos. Poderei trabalhar, formar-me, fazer os indispensáveis projetos para o futuro, com segurança e estabilidade. A assinatura de V. Exª. tornará de direito uma situação de fato. Creia-me, Senhor Presidente, ela alargará minha vida. E um dia saberei provar que não a usei inutilmente.
                                                                                                             Clarice Lispector

Clarice não voltará à Rússia, mas viverá, irremediavelmente, a sensação de sentir-se "estrangeira nos vários lugares em que passará a viver na companhia do marido.


Referencia Bibliográfica:
MONTERO, Teresa (Org.) - Correspondências Clarice Lispector - Rio de Janeiro: Rocco, p. 33-34, 2002. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Todas as cartas de amor...


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem 
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor, 
Têm de ser 
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são 
Ridículas.

(Todas as palavras exdrúxulas,
Como os sentimentos exdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas)  

Fernando Pessoa - Álvaro de Campos - 21/10/1935