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Por que cartas?
Há quem não entenda as cartas como forma agradável de comunicação entre pessoas, quase um presente - ainda mais nesses tempos de globalização onde a comunicação tem se tornado em tempo cada vez mais real.
As cartas seduzem porque é parte da expressão humana, são o espelho da alma de quem as escreve, quando as lemos somos remetidos à reflexão das situações, da época, das condições e os ambientes culturais das produções desses artefatos.
Ler cartas escritas em outros tempos significa penetrar na intimidade de seus autores, compreender os discursos que faziam de si mesmos e do mundo como um recorte muito particular das possibilidades de leitura dos homens e das coisas, além de conhecer a sociedade da época e seus costumes. Entretanto, lê-las com o intuito de compreender aquele que as escreveu, como produto e ao mesmo tempo, como agente histórico, não pode colocar de lado a compreensão do tempo e espaço como variações fornecedoras dos vínculos explicativos que compõe a essência do enredo de uma narrativa.
As cartas apresentadas aqui lembram-nos que toda a história foi feita por pessoas que em certas épocas estiveram vivas - ou ainda estão - pessoas que foram ardorosas, apaixonadas e cheias de emoções, emoções tão ternas que deixaram suas marcas, passaram de um meio de expressão pessoal ao campo artístico, algumas das personagens dessas mensagens são famosas, outras não, mas o importante mesmo é o afeto.
Meu Avô contava-me que o meu bisavô - que não cheguei a conhecer - e que foi diretor de cena em um teatro da Europa, dizia que um ator atingia seu apogeu quando inspirava pessoas. Dessa maneira, este Blog contém a mesma ideia, se conseguir inspirar as pessoas durante sua leitura, atingirá o zênite.
Desejo a todos que passarem por aqui, momentos de emoções diversas.
Anna Garcia

domingo, 29 de abril de 2012

Sobre a falta de tempo que nos aproximou da gente


Sábado, 21 de agosto de 2010.

Porque as distâncias eram grandes, escreviam-se cartas. Porque era preciso esperar as cartas, havia tempo. Porque havia tempo, falava-se de amor. Porque falava-se de amor, escreviam-se mais cartas.

E porque era preciso fazer as cartas chegarem mais rápido, construíram-se estradas. Estradas que nos levaram mais rápido ao futuro: encurtaram-se as distâncias.

E porque encurtaram-se as distâncias, aumentou  trabalho. E porque o trabalho aumentou, escasseou o tempo. E pela escassez do tempo, cessaram as cartas. E pela falta das cartas, recesso para o amor.

Porque o amor entrou em recesso, o avanço. E porque veio o avanço, criou-se a tal rede. E porque a rede se criou, encurtaram-se as distâncias. Até mesmo entre os amores. Até mesmo entre os tempos.

E no mundo contido dentro da rede, nasceram de novo as cartas. Agora instantâneas. Que, como aviõezinhos de papel, eram lançadas incessantemente de uma ponta a outra do mapa. Palavras, dores, saudades e sons percorriam num susto longas distâncias, para chegar aos ouvidos da outra ponta do mapa.

O mundo virou teia de cartas. Um emaranhado de dores e amores e gentes se vendo e ouvindo e dizendo em todas as línguas. Um mundo abraçando o mundo carente de cartas, caminhos, estradas e de andar a pé para relembrar.

Virtuais, as cartas tornaram amores reais.

E a cada nova carta, um mundo de amor. A teia. E a cada novo mundo, mais cartas. E já não era possível desfazer os nós. E as pessoas deram-se as mãos, como antes não acontecia. E eram semelhantes as mãos que se davam, sem que a distância fosse empecilho. E era de mãos também a grande teia.

Mas, como o virtual brilhasse, o real perdeu sua força. Não mais se olharam as pessoas. O amor em recesso mais uma vez.

E como o recesso faz buracos, mais gente da ponta do mapa procurou gente da outra ponta. E do meio. E de um pedacinho ao sul ou ao norte. E as latitudes as mais diversas passaram a se olhar, como não mais os olhos se olhavam. E como as palavras de longe chegavam ao pé do ouvido, falou-se de perto. E porque de longe acendiam-se almas, encurtaram-se as distâncias.

Mas, um dia, de tanto viajarem as cartas, encurtando distâncias e mais distâncias, alguém olhou para o lado e descobriu a verdade.

O longe estava perto. O perto estava longe.

E assim a escassez de tempo nos aproximou da gente. A escassez do tempo nos disse verdades com sua voz rouca. E nos perguntamos se tudo isso fazia sentido. E choramos. E escrevemos novas cartas. E nos demos as mãos de verdade. E nos olhamos no olho. E redescobrimos o tempo.

E amamos. Não mais a escassez. Não mais o virtual. Não mais o longe.

E permanecem as cartas que vão e voltam. Mas o amor não entra mais em recesso.
Cristiana Guerra





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